Essa semana, me abstenho de falar sobre cultura, porque cachaça é um elemento cultural por si próprio. Mostrarei apenas um texto de nosso maior cronista, Rubem Braga, a respeito de nossa maior bebida...
A cachaça também é nossa
Um dia apareceu um deputado com um projeto de lei proibindo em todo o território nacional o fabrico, o transporte, a venda, a compra e o uso da cachaça. Havia penas de multa e cadeia.
Não quero lembrar aqui o nome desse parlamentar infeliz. Ele falava, por exemplo, em nome da higiene. Não se lembrou de que sua lei obrigaria a gente pobre a beber álcool com água, ou sem água – que é a primeira coisa que qualquer sujeito da roça ou qualquer empregada da cidade faz quando não tem cachaça à mão.
O Brasil é o único país do mundo que não leva a seria a sua bebida nacional. Embora seja um industria totalmente brasileira (ou será que uma dessas multinacionais já comprou alguma grande marca?) com uma enorme importância econômica, e que funciona em milhares e milhares de municípios, a cachaça não é levada a sério. O candidato a algum cargo público que falar em algum projeto a respeito dessa indústria será logo alvo de piadas sem fim.
Uma vez um amigo meu foi nomeado presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool. Conversando com ele, defendi a conveniência de estudar uma política nacional da aguardente; até então o Instituto ou ignorava a aguardente ou apenas tomava medidas para diminuir seu fabrico em favor de outros subprodutos da cana. Por que não estudar seriamente o problema da aguardente de vários pontos de vista, desde o da saúde pública até o da exortação? O bom homem me olhou desconfiado, como quem diz: esse Braga tem cada idéia! Depois comentou com um amigo comum a minha “piada” de cachaceiro...
(...)
Uma associação de produtores, amparada pelo Governo, poderia dar dignidade à industria da cachaça, estabelecendo padrões de idade e qualidade (como se faz em outros países com o uísque, o conhaque, o vinho etc.), que teriam de ser respeitados, punindo-se severamente as fraudes. Só depois disso poderíamos pensar seriamente em exportação.
Mas qual! O Governo ignora pudicamente essa imensa realidade nacional que é a cachaça – a não ser para lascar impostos em cima ou proibir a venda aqui ou ali dentro de certos horários. E já estou a ouvir daqui o comentário daquele meu amigo que foi presidente do I.A.A, se chegar a ler esta crônica:
- O Braga quer salvar o Brasil com a cachaça...
Sim, cachaça faz mal, e quanto mais, pior. Mas foi com a cachaça que o brasileiro pobre enfrentou a floresta e o mar, varou esse mundo de águas e de terras, construiu essa confusão meio dolorosa, às vezes pitoresca, mas sempre comovente a que hoje chamamos Brasil. É com essa cachaça que ele, através dos séculos, vela seus mortos, esquenta seu corpo, esquece a dureza do patrão e a falseta da mulher. Ela faz parte do seu sistema de sonho e de vida; é como um sangue da terra que ele põe no sangue.
BRAGA, Rubem. As boas coisas da vida. Rio de Janeiro: Editora Record, 1988.
Lívia Lima posta todas as segundas-feiras na coluna Cultura
Não quero lembrar aqui o nome desse parlamentar infeliz. Ele falava, por exemplo, em nome da higiene. Não se lembrou de que sua lei obrigaria a gente pobre a beber álcool com água, ou sem água – que é a primeira coisa que qualquer sujeito da roça ou qualquer empregada da cidade faz quando não tem cachaça à mão.
O Brasil é o único país do mundo que não leva a seria a sua bebida nacional. Embora seja um industria totalmente brasileira (ou será que uma dessas multinacionais já comprou alguma grande marca?) com uma enorme importância econômica, e que funciona em milhares e milhares de municípios, a cachaça não é levada a sério. O candidato a algum cargo público que falar em algum projeto a respeito dessa indústria será logo alvo de piadas sem fim.
Uma vez um amigo meu foi nomeado presidente do Instituto do Açúcar e do Álcool. Conversando com ele, defendi a conveniência de estudar uma política nacional da aguardente; até então o Instituto ou ignorava a aguardente ou apenas tomava medidas para diminuir seu fabrico em favor de outros subprodutos da cana. Por que não estudar seriamente o problema da aguardente de vários pontos de vista, desde o da saúde pública até o da exortação? O bom homem me olhou desconfiado, como quem diz: esse Braga tem cada idéia! Depois comentou com um amigo comum a minha “piada” de cachaceiro...
(...)
Uma associação de produtores, amparada pelo Governo, poderia dar dignidade à industria da cachaça, estabelecendo padrões de idade e qualidade (como se faz em outros países com o uísque, o conhaque, o vinho etc.), que teriam de ser respeitados, punindo-se severamente as fraudes. Só depois disso poderíamos pensar seriamente em exportação.
Mas qual! O Governo ignora pudicamente essa imensa realidade nacional que é a cachaça – a não ser para lascar impostos em cima ou proibir a venda aqui ou ali dentro de certos horários. E já estou a ouvir daqui o comentário daquele meu amigo que foi presidente do I.A.A, se chegar a ler esta crônica:
- O Braga quer salvar o Brasil com a cachaça...
Sim, cachaça faz mal, e quanto mais, pior. Mas foi com a cachaça que o brasileiro pobre enfrentou a floresta e o mar, varou esse mundo de águas e de terras, construiu essa confusão meio dolorosa, às vezes pitoresca, mas sempre comovente a que hoje chamamos Brasil. É com essa cachaça que ele, através dos séculos, vela seus mortos, esquenta seu corpo, esquece a dureza do patrão e a falseta da mulher. Ela faz parte do seu sistema de sonho e de vida; é como um sangue da terra que ele põe no sangue.
BRAGA, Rubem. As boas coisas da vida. Rio de Janeiro: Editora Record, 1988.
Lívia Lima posta todas as segundas-feiras na coluna Cultura
2 comentários:
OPA!!! FUI NUMA CACHAÇARIA COM MEU NAMORADO LÁ PERTO DA SERRA DA CANTAREIRA, TINHA UMAS "KATIAS" MAIS ESTRANHAS QUE AS OUTRAS HÁ HÁ, NA MINHA MESA FOI BEBIDA ( FRASE ESTRANHA MAS...) UMA DE AMEIXA, UMA OUTRA PURINHA DE UM LUGRA DE MINAS, E UMA TAL DE MEL, OU SERÁ QUE A DE MEL ACABEOU NÃO SENDO PEDIDA??? XIIII SERÁ QUE BEBI DEMAIS?? HAHAHA
SEMANA DA CACHAÇA AQUI?? BOAAAAAA
Poxa, preciso ler Rubem Braga!!!!!
Não curto cachaça, pow u.u
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