segunda-feira, 26 de março de 2007

Sobre o só e o além

O nome deste blog faz referência à música Comida de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto. Composta há vinte anos faz crítica aos problemas sociais que até hoje permeiam o país - as diversas carências que as pessoas sentem em suas vidas, literariamente caracterizadas como fome.

A música é marcada por ambigüidade em diversos níveis. O texto divide-se na polaridade individual e coletivo que são claramente marcadas pelo uso do “você” e “a gente”.

A crítica política é a mais evidente ao abordar a questão do mínimo que se reservam e que julgam necessário para a sobrevivência das pessoas. A tese da canção é propor que a gente, o povo brasileiro, quer mais que água e pasto, quer além do essencial.

Em tempos de projetos como o Fome Zero, vê-se que nem o necessário o Estado consegue subsidiar. O apelo da música é um alerta também para a crise da violência – será que maioridade penal ou rigidez no sistema penitenciário são capazes de suprimir as carências que os jovens sentem de educação e cultura, por exemplo?
A mensagem também se torna forte por propor ao ouvinte a questão: Você tem fome de quê?

O tema entra então no núcleo individual, e cada um é livre, para avaliar se adere às reivindicações de a gente, ou se forma suas próprias preferências. Até mesmo porque muitas das fomes coletivas são necessidades próprias daquelas que a sociedade moderna considera ideal para a realização pessoal – dinheiro, prazer, amor.

A reflexão pode caminhar para dois sentidos: o que a comida é para mim? Quando ela me alimenta biologicamente e quando psicologicamente? E o que é comida para mim, já que se percebe que a gente quer atender a diversas fomes.

A música carrega em si princípios que regem a constituição da nossa sociedade contemporânea, os desejos individuais e contraditoriamente, os resquícios dos valores coletivos. Por isso comprova–se que tanto em níveis textuais, como também semânticos, a ambigüidade é fundamental para compreender a complexidade do tema, tão bem demonstrada pelos autores.
“Desejo, vontade, necessidade” - são estas as palavras associadas pelos Titãs à música em sua versão acústica (Acústico MTV 1997). O propósito de se falar sobre este tema é justamente tirar a alimentação da simples questão de necessidade. A comida é um elemento social, cultural, psicológico, biológico, fisiológico, enfim é literalmente a materialização ideal da antropofagia,mas esse é um outro assunto.

Por Lívia Lima

Lívia Lima posta todas as segundas-feiras na coluna Cultura

6 comentários:

Paula Miguel disse...

Em tempos atuais, eu posso afirmar que estou MORRENDO DE FOME.

;)
Boa sorte, meninas, já sou leitora.
Beijo da Lette! =]

Erika Djanira disse...

Hummmm... " o que é comida para mim, já que se percebe que a gente quer atender a diversas fomes"... Boa, Lívia!! Hahahaha... nos linka neste blog hein!
Muito bons os textos... amo vcs, meninas!!!

Aline Scátola disse...

É, Lívia, você é muito foda mesmo.

Marina Gurgel disse...

são as famosas expressões "food for thought" e "food for soul". A primeira, tem uma música muito boa da Ericka Badu que coemca com essa introducna. Adorei o nome, muito bem pensando...
Visitem também o www.pseudo-cult.blogspot.com,
ele é um blog legal.

Paranóia Paulistana disse...

Parabéns, Lívia!
Do que temos fome? =D

Ass: Bianca

RDS disse...

Lívia, vc me deu um TGI hehehe
Talvez não tanto, mas ao menos uma nova teoria pra agregar a tantas outras.
A comida é fator social, comer com alguém significa repor suas energias juntos, significa confiar na pessoa, pois estão partilhando daquilo que vai te deixar vivo, e para dividir este momento com alguém é necessário confiar.
As coisas mudaram muito e nossa falta de vínculos hj é também consequencia dessa alienação da comida. Dificilmente come-se com alguém no meio desses dias agitados e turbulentos, os vínculos são quebrados, não há mais demonstração de confiança.
Come-se sozinho e passa-se a viver sozinho. "O mal da modernidade é um prato que se come cru" - de preferência num saquinho e correndo pelo metrô...